segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

before the deluge – jackson browne



do álbum late for the sky, de 1974.


viajo para são paulo na manhã de terça e foi esta a música que marcou minha primeira estadia na cidade, em maio de 2010. não exatamente ela, mas o late for the sky todo, um dos meus álbuns preferidos. e isso é até meio estranho, porque viajei para assistir aos dois shows da banda camera obscura, então era de se pensar que eu fosse privilegiar o catálogo da banda. e privilegiei, é claro, mas assim que os shows acabaram foi jackson browne que segurou as pontas nas madrugadas que passei lendo the thin man (do dashiel hammett, um livrinho dashing, de fato) e pensando na vida. "before the deluge" é uma canção política. dito isso, é preciso superar a verve prevalecente – que parece enfatizar a importância do pensamento a longo prazo e de ações históricas na estruturação de um ideário e de uma mística positiva para a terra (juro que não estou de sacanagem) – para chegar a um dos refrões mais monumentais e comoventes que conheço: "let the music keep our spirits high (...)" oxalá! e que a criação revele seus segredos "by and by... by and by". um dos momentos mais transcendentais da música.

domingo, 30 de janeiro de 2011

cupid – sam cooke



do single cupid/farewell my darling, de 1961.


dois minutos e meio tão smooth que parecem não ter acontecido ou pelo menos ter se dado num outro plano, em que você possa ter o Cupido como parceiro nas cirandas amorosas da vida. sam cooke é tão formidável – a letra é dele – que esta é uma música de devoção a uma mulher que não sabe que ele existe e de cumplicidade descerimoniosa ("between the two of us her heart we can steal") com o deus do amor. o veludo da voz, a simplicidade que não volta mais, as súplicas ("cupid, don't you hear me calling you... i need you... cupid, help me..."): aaaah.

sábado, 29 de janeiro de 2011

unsquare dance – dave brubeck



do álbum time further out, de 1961.


se me dizem que o compasso desta música é 7/4, eu não só aceito como não discuto: não tenho ouvido algum para jazz, mas muita disposição para ficar intrigado. "unsquare dance" me parece tão simples e eficiente, e creio que brubeck ganha menos crédito do que merece por conta de cretinos como eu, que acha tudo o que ele faz de uma limpidez e pureza inigualáveis. são dois dos minutos mais deliciosos da sua vida.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

(you keep me) hanging on – ann peebles



do álbum i can't stand the rain, de 1974.


sim, ann peebles de novo. "i can't stand the rain" pode ser a assinatura dela, mas é esta a música que impressiona. não é excêntrica, nem sombria, nem voluptuosa, nem buliçosa, nem libertina, nem licenciosa. é uma música feliz, absolutamente feliz. ann peebles não condena seu amor, que a tem "like a yo-yo string". ela lhe garante que está em suas mãos (não como se ele tivesse perguntado; a iniciativa parece partir dela), e diz que parece ser este o lugar dela. diz que ele sabe o que fazer com ela, como controlá-la (de um modo que ela desfrute, assegura). e ela também deseja isso, e esta canção de amor estupenda existe para que ela corresponda de modo fervoroso o apego devoto dele, pintado praticamente como um salvador de reputação ilibada. o "you just keep stringing me along/ just enough to keep me hangin' on" poderia soar como a maior das repreensões ("você continua me enrolando, o bastante para eu continuar com você"), mas não: é algo como "você continua me dando corda, o bastante para eu continuar amando você". (ela é um ioiô, afinal.) o modo como ela se anula diante dele e do amor que eles têm não tem nada de sombrio, porque ela canta como se houvesse uma contrapartida, o ouvinte sente que há a correspondência. esta é uma música feliz, absolutamente feliz.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

i can't stand the rain – ann peebles



do álbum i can't stand the rain, de 1974.


taí uma música excêntrica: excêntrica porque sombria, excêntrica porque buliçosa enquanto sombria, excêntrica porque voluptuosa enquanto sombria e buliçosa. trompete, cordas e voz poderosa quase fazem o ouvinte se esquecer da letra desalentada – quase. esse é o som algo licencioso, algo libertino, do desamparo. ann peebles traz o groovy para o seu quarto.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

something on your mind – karen dalton



do álbum in my own time, de 1971.


sem rodeios: a melhor canção que ouvi em 2010. irrompe numa trovoada de bateria, culmina numa balbúrdia de violinos e não se sabe exatamente o que fazer enquanto seus três minutos explodem na caixa de som. casamento inigualável de letra e harmonia, karen fala de uma pessoa querida, como se tentasse entusiasmá-la pela vida do modo mais tenaz e afetuoso possível: o "didn't you know" do trecho "didn't you know, you can't make it without ever even trying?" tem o som da paciência e da perseverança, assim como o "maybe" de "maybe another day you'll want to feel another way". desde descobrir nas coisas alguma faceta positiva – "que esses tempos mostrem como você se afastou de seus sonhos" – até uma incrível referência bíblica nos versos "i've seen the writing on the wall/ who cannot maintain will always fall" – que predizem o inevitável declínio e ruína do outro –, a música é majestosa de verdade, uma imponência que só pode ser amealhada a partir da mais ferrenha e rabugenta empatia pelo outro. "não dá para conhecer direito as pessoas à sua volta quando elas escondem suas tristezas de você", assevera kath bloom em "the breeze/my baby cries", e "something on your mind" pega essa ideia e a infunde com uma força disruptiva que lembra o big bang, porque tudo parece começar a partir dela, ao seu término. ela parece deixar um rastro de apreço fortalecido, baseado plenamente na intimidade e no estar lá pelo outro. acompanhando os esforços dela para tirar do outro o que o incomoda, os "isn't it?" sucessivos de "something's on your mind, isn't it?" soariam tristes com ou sem os violinos plangentes. é o som de alguém vindo ao seu resgate.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

divorce song – liz phair



do álbum exile in guyville, de 1993.


antes de mais nada, uma música de roteirista por excelência. pelos detalhes rigorosamente perfeitos. pelo cinismo comedido, o máximo de comedimento que levar seus sentimentos à flor da pele pode acarretar. "divorce song" é digna de raymond carver, pela narrativa bronca, áspera (notar a secura totalizante do título). para começo de conversa, ela se coloca no lugar dele quando diz que, ao pedir quartos separados num motel, logo se arrepende ao saber de que forma o tal pedido soou para ele. literalmente: soou. não como o pedido transpareceu no semblante dele, mas sim como ele soou nele, ecoou nele, retumbou nele. do mesmo modo, ela fala que ele disse que não valia a pena conversar com ela – e novamente: se ele soubesse como aquilo soou para ela, ele teria recolhido suas palavras, trancando-as numa caixa, enterrando-a, queimando-a e por fim jogando ela fora. ótimo. cada uma das partes ganha o direito de magoar a outra 1 (uma) vez e pronto. a beleza da música reside em estabelecer em poucos versos a intimidade que une o casal, mas que não mais o unirá a partir da primeira noite em quartos separados num motel de beira de estrada. aparentemente, ela terminou ("just to prove i was right/ that it's harder to be friends than lovers") por conta de algo que ele fez ("you put in my hands a loaded gun/ and then told me not to fire it" – um par de versos amaríssimo, irremissível), mas este é o tipo de música em que isso não é importante: o essencial é colocar as coisas em panos limpos – eu roubei seu isqueiro, eu perdi o mapa. o trechinho rock 'n' roll ao final se coaduna com a repetição de dois versos meio irônicos ("so take a deep breath and count back from ten/ and maybe you'll be alright") do modo mais mordaz possível (como se o rompimento não significasse nada para ela, apenas para ele), até porque logo antes temos um retrospecto avassalador do que significa ver morrer coisas importantes: "but you've never been a waste of my time/ it's never been a drag" (a aparente frieza de ver o companheirismo e o amor de meses se transformar num bom passatempo, numa lembrança digna e feliz). e mais: ainda antes, dois versos poderosos – "and the license said you had to stick around until i was dead/ but if you're tired of looking at my face i guess i already am" – finalmente pavoneiam as cicatrizes de guerra e quebram um pouco o cinismo e o desdém que marcam a música antes e que a marcarão em seus instantes finais. o rock 'n' roll não esconde, a memória não pode apagar, a contagem regressiva de dez não vai aliviar (para ele e para ela).

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

o pedido – elomar



do álbum ...das barrancas do rio gavião, de 1973. assista aqui a uma apresentação ao vivo, gravada em 1988, em salvador.


na contracapa do disco que contém essa incrível obra-prima, vinicius de moraes escreve sobre elomar. mas essa música parece passar ilesa às maravilhosas considerações do poeta idem à obra do violeiro ("príncipe da caatinga", "pastor de estrelas", mistura de romanceiro medieval e de cancioneiro do nordeste), sendo uma das criações mais exuberantes e sui generis de que tenho notícia. elomar canta em primeira pessoa uma lista de pedidos que uma mulher faz para um amigo que está indo à feira. mas isso nem começa a arranhar seu aspecto mágico, que envolve um cego que lhe fez uma predição não muito auspiciosa ("que eu haverá de viver por este mundo e morrer ainda em flor"), a lembrança de um almoço especial com o tal amigo ("você disse uma loa gabando a boia boa"), a confecção de um vestido (mas só se o dinheiro der para o tecido)... também fala de um feiticeiro-curador, de brincar na quermesse, de noites de lua cheia, de batismo/paganismo, de nosso senhor/lobisomem: as coisas se amplificam e se transformam sob o efeito da evocação poética e da imaginação popular. a música é tão misteriosa que não dá para saber ao certo se as brevidades que ela quer da feira para matar as saudades são os bolinhos farinhentos que você compra na padaria da esquina. tudo parece mais especial e mais longínquo, absorto em seus próprios ritmos e cadências temperadas. gostaria um dia de compreendê-la integralmente, mas uma experiência de fruição do inatingível dificilmente pode ser mais poderosa.

domingo, 23 de janeiro de 2011

start a war – the national



do álbum boxer, de 2007.


no catálogo impressionante da banda, "start a war" é claramente um dos pontos mais luminosos (e olha que na linha acústica-lentinha eles ainda têm uma melhor). não tenho muito a dizer sobre esta música, exceto que eu gosto muito do verso-promessa "i'll be funny again" e que vejo uma belíssima imagem para uma poesia minha no trecho que fala sobre (a inutilidade de?) trancar (o sentimento?) num cofre atrás de uma pintura e sair porta afora. mas o que fascina mesmo é a letra muito convicta e lúcida para um arranjo que parece agitar como que formando ondas, escapar pelas mãos – e isso é muito bem observado no verso "i never had to hold you by the edges like i do now", que concilia letra e harmonia. esse misto de austeridade e opulência coloca a banda numa classe só dela.

mais importante: eu a ouvi ao vivo em 2007.

sábado, 22 de janeiro de 2011

you and your sister – chris bell



do single i am the cosmos/you and your sister, de 1978. o álbum i am the cosmos foi lançado postumamente em 1992 e uma edição deluxe do mesmo, em 2009.


a três dias de 1979, chris bell – dobradinha com alex chilton para fazer de big star a melhor coisa dos anos 1970 – bateu o carro num poste e morreu aos 27 anos, em memphis. por algum motivo esta morte me parece mais trágica que todas as outras mortes trágicas da música. não me parece hipérbole qualificar esta canção de perfeita. ela não é muito piegas ou apegada, tem a medida de ternura perfeita, um afeto brando que implicita um grande transporte emotivo justamente por esta parecer uma comoção sem precendentes para o eu-lírico. parece de fato que ele descreve sua primeira paixão, porque ele só quer abraçá-la, abraçá-la, e o vocal de bell coloca a mão no fogo pelas intenções dele. as outras pessoas não acreditam no amor dele, especialmente a irmã dela, mas ele também está preocupado com o amor dela "se esvaindo" e com ela acreditando que seus próprios olhos – que o veem e que correspondem ao seu amor – a estão enganando – e não estão, ele assevera, como se dissesse eu sou de verdade, eu sou o cosmos. não tenha medo, ele pede, e a beleza da música reside em seu esquivamento: ele não assegura suas intenções honradas à irmã dela ou às outras pessoas, mas só a ela. quer imagem mais bonita de duas pessoas sozinhas que "and let me whisper in your ear/ don't you worry, they can't hear"?

minha outra canção do bell favorita, "look up", quase foi escolhida para ser a primeira dele no blog, mas pareceria piada colocá-la logo depois de "i saw the light", do hank williams. duas liturgias sublimes merecem um espaço de tempo maior que 24 horas, para o bem da sensibilidade do amigo leitor.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

i saw the light – hank williams



escrita por hank williams e lançada em 1948.


uma das minhas músicas favoritas e uma das experiências mais cativantes que já tive com uma. hank parece cantá-la segundo uma prescrição ritualística que só pode ter em vista uma finalidade mágica e o estabelecimento de um estado contemplativo. ele viu a luz! não há mais noite ou escuridão! o country se funde ao blues, e jesus é um "estranho na noite", mas também o "querido salvador". a harmonia dessa música me lembra uma locomotiva a vapor, por algum motivo. uma liturgia perfeita.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

buttercup – lucinda williams

escute aqui. do álbum blessed, a ser lançado em março de 2011. "buttercup" é o primeiro single do álbum.

(first of all, to all my almost non-existent international readers: some ramblin' thoughts of the song in world-friendly english. hopefully.)

por que o primeiro single do novo álbum da lucinda williams seria especial mesmo que fosse ruim (e é tudo menos ruim)? porque "buttercup" é a primeira música nova da lucinda que escuto desde que virei o maior fã dela no hemisfério sul (fala-se à boca pequena que eu sou um dos dez maiores do planeta), então foi, para colocar de maneira simplória, emocionante ouvi-la pela primeira vez ontem (e pelas dezenas de vezes subsequentes). gostar do material novo me diz basicamente que eu não joguei quase dois anos de audição ferrenha no lixo. ela não perdeu a mão! ela continua superawesome! não preciso continuar vivendo do passado, dos álbuns de 1978 a 2008. aaah, maluco.

lucinda escreveu "buttercup" para a mesma pessoa de "jailhouse tears", um dueto com elvis costello incluído no último álbum, little honey. essa última, acho que pela própria natureza de dueto, era burlesca e engraçadinha demais (o cara estava presente!). ficava claro que lucinda tinha saído por cima desse relacionamento e lembrava das agruras dele com o coração leve. o mesmo transparece em "buttercup", mas a grande diferença é que a nova música tinha um incrível potencial para ser crua e amarga e resultou num "bluesy wake-up call" (para a tal pessoa). (antes de ouvi-la ontem só havia visto o vídeo de uma apresentação solo. talvez a própria reação da plateia – os gritos no refrão – e lucinda aparentemente eletrizada por eles meio que me deram uma impressão equivocada – e, claro, ajuda o fato de não ter ideia de qual seria o arranjo final da faixa.) "buttercup" enumera uma série de ações e padrões de comportamento desagradáveis da tal pessoa e explode, quatro vezes, em "now you want somebody to be your buttercup/ good luck finding your buttercup". mas isso não soa como um vá se foder, há uma tristeza subliminar aí. lucinda na verdade está mais preocupada com ele do que com ela, e isso faz uma diferença brutal quando você compara "buttercup" com outras de suas músicas done-me-wrong (de "bad boy", como a própria lucinda coloca), como "metal firecracker", "abandoned", "learning how to live"... "buttercup" é mais similar a "sweet side" ("você não sabe mostrar o seu lado gentil") e a "side of the road" (pelo instinto arraigado de preservar-se numa relação). apesar de conter alguns versos típicos de psicologia de botequim ("maybe couldn't talk to your mother/ stand up to your dad"), "buttercup" é doce e muito espirituosa ("you live like a little kid/ with bruises on your knees"). tem a sabedoria daquelas pessoas que atravessaram períodos de intenso negrume e saíram sem a carranca, renovadas, com uma força prevalecente: é por isso que, sim, quando ela canta o último "good luck finding your buttercup" sem qualquer instrumentação por trás, é esta a imagem do Restabelecimento (e do desejo sincero de que tudo dê certo para ele da próxima vez). quando a instrumentação volta, no cup de buttercup, é este o som da Volta por Cima (e do desejo sincero de que ele deixe de agir como um shithead).

e esta é a imagem (e o som) da Obsessão (e do desejo sincero de que ela perdure):

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

nightime – big star



do (melhor) álbum (de todos os tempos) third/sister lovers, de 1978.


big star é minha banda favorita e alex chilton é possivelmente um anjo olhando por todos os flâneurs, o guia que nos levará à terra prometida, uma "paisagem de gente viva" (como diz walter benjamin). e "nightime" é tão virtuosa! é possível dedilhar a alma do eu-lírico e a generosidade de quem deu vida a ele. há um trecho em "the state that i am in", do belle and sebastian, que diz "now i'm feeling dangerous, riding on city buses for a hobby is sad", mas falta algum enternecimento nesse flash de vida, ele é autoconscientemente sombrio, ele diz que andar de ônibus à noite é triste, mas não dá para sentir muita melancolia em alguém que aponta suas pequenas imperfeições ao mesmo tempo em que as avalia. já o "they're looking at me, all the people to see" de "nightime" arremessa incríveis possibilidades apenas para, logo depois, enclausurá-las em uma só pessoa: "and when i set my eyes on you, you look like a kitty." mas taí uma operação que dá certo: reconhecer a diversidade e fixar-se na unidade. é por isso que, ao final, quando se repete "get me out of here", o miserabilismo é muito mais entranhado (por ser menos afetado) do que, para citar um trecho de outra canção de belle and sebastian, o "get me away i'm dying". nas músicas de alex chilton, ninguém está morrendo pelos cantos, ninguém examina seu próprio estado espírito com tanta seriedade. as pessoas parecem seres humanos. tautologia à parte, ufa.

caught a glance in your eyes and fell through the skies.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

teenage spaceship – smog



do álbum knock knock, de 1999. admita que esta é a melhor capa de álbum de todos os tempos.


é, smog pela segunda vez consecutiva. decidi que estamos, sim, preparados para as obras-primas de alto calibre dele. essa música, tão esparsa e dispersa e ainda assim nada escassa, é infundida com aquele tipo de melancolia que alguns (preguiçosos) definem como saudade, enquanto outros (sábios) simplesmente declinam de caçar uma definição, porque sabem que ela não existe. é incredulidade e fascinação – e cá estou eu definindo – ante a solitude, a tristeza que parece costurada com fios de ouro no céu do ouvinte.

aqui está a letra traduzida por mim:

voando por aí
as casas à noite
voando sozinho

uma nave espacial adolescente
eu era uma nave espacial adolescente

pousando à noite
eu era bonito com todas as minhas luzes

avantajava-me no horizonte, extenso
tão extenso
que as pessoas achavam que minhas janelas eram estrelas
tão extenso no horizonte
que as pessoas achavam que minhas janelas eram estrelas

uma nave espacial adolescente
uma nave espacial adolescente

e eu jurei que nunca iria me prostrar como uma acha de lenha
latir como um cachorro
eu era um smog adolescente

costurado no céu

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

dress sexy at my funeral – smog



do álbum dongs of sevotion, de 2000.


smog/bill callahan ainda aparecerá muito por aqui (por se tratar do homem responsável por algumas das canções mais estonteantes dos últimos vinte anos, apenas), mas esses dias, que têm sido francamente bizarros, não merecem uma obra-prima belíssima dele (especialmente essas que induzem o ouvinte ao transe). esta canção me parece a escolha correta para esses dias, sendo meramente belíssima, uma que não faz com que me sinta possuído espiritualmente – e isso é fundamental quando você precisa colocar a cabeça no lugar. seu senso de humor é capaz de fazer malabarismo com os reveses da vida e alguma picardia com a falta dela. bom, um defunto pede que sua esposa se vista de modo sexy para o seu funeral e que ela flerte com os irmãos enlutados dele e com o reverendo e que diga que ele era um homem filantrópico e que lembre os presentes, num discurso, de quando eles transaram na praia, fogos de artifício colorindo o céu acima. é uma música tão deadpan e seca que dá até para esquecer que ela encontra seu herói – e talvez o ouvinte – no fundo do poço. lençol aquífero nenhum vai surgir desse sábio exemplar do cancioneiro de devoção callahiano.

citando um par de versos afim da incrível obra-prima "jim cain": "in case things go poorly and i not return/ remember the good things i've done."

domingo, 16 de janeiro de 2011

maria fumaça – banda black rio



do álbum maria fumaça, de 1977.


desconhecia música, álbum e banda até ontem, quando a mariana me comunicou que essa faixa é sua instrumental brasileira favorita. me peguei transtornado diante de arranjos que explodem na sua cara; poucas músicas instrumentais podem ser qualificadas de refrescantes, e esta é uma delas. é música para atravessar o mar do japão de jet ski. é música para tomar caipirinha de lichia em cape town. é música para fazer a trilha da pedra da gávea. mais que isso: finalmente encontrei algo rivalizável em sentimento e ergonomia à "pacific theme", do broken social scene, até então a mais espirituosa, terapêutica, brisa à beira-mar, quero-viver-nessa-canção de todas as instrumentais.

sábado, 15 de janeiro de 2011

só (solidão) – tom zé



do álbum estudando o samba, de 1976. veja a incrível versão ao vivo gravada em 1991 no programa ensaio aqui.


na vida, quem perde o telhado
em troca recebe as estrelas
pra rimar até se afogar
e de soluço em soluço esperar
o sol que sobe na cama
e acende o lençol
só lhe chamando
solicitando


precisamos de mais tom zés na poesia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

blue – lucinda williams



do álbum essence, de 2001. esta versão ao vivo foi gravada nos estúdios da rádio kgsr e incluída num cd promocional com uma entrevista de uma hora, in touch with lucinda williams.


a tristeza é sua parceira e coloca você em primeiro lugar. "você pode contar suas bênçãos, eu só vou contar com a tristeza", e a resignação ainda fica mais prosaica e comovente: "vá achar um jukebox e veja o que uma moeda de 25 centavos pode fazer." definitivamente não poderia fazer tocar esta música, que pertence a um universo absolutamente arruinado e plangente. trata-se de um dos maiores elogios ao convívio cordial e prestimoso que alguém pode manter consigo mesmo, o que não deixa os sublimes vinte primeiros segundos desta versão ao vivo mais ensolarados – decerto, é das aberturas mais depauperadas.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

people got a lotta nerve – neko case



do álbum middle cyclone, de 2009. veja o maravilhoso clipe aqui.


essa música definitivamente seria a escolhida para algum desses dias vindouros, mas na madrugada de hoje li um grande poema do fabiano calixto – "do tempo" – e um dos versos menciona: "o que estamparam os jornais: um elefante jamais esquece". neko fala exatamente sobre isso, mas não para ilustrar a memória de uma relação passada (caso do poema), e sim para falar que as pessoas são mesmo muito caras de pau: domesticam animais selvagens, colocam baleias em piscinas, e se espantam quando um deles as ataca – "eu devoro homens/ mas você ainda se surpreende quando eu te devoro". trata-se de uma música imprevisível e macabra, e ainda completamente mística – seu estranho desapego à linearidade faz dela uma colagem de destroços, um acidente inexplicável, e sua caixa-preta está no assoalho do oceano, onde baleias assassinas podem finalmente ser naturalmente assassinas. um curta do apichatpong weerasethakul de apenas 2 minutos e 34 segundos, enfim: "it will end again in moonlit song" – o verdadeiro mal dos trópicos.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

heights of diamonds – adam haworth stephens



do álbum we live on cliffs, de 2010.


o holandês jan comentou que adam haworth stephens, vocalista do two gallants que inventou uma carreira solo, merecia um fã-clube no brasil (inspirado talvez em meus esforços sobre-humanos para transformar lucinda williams num household name no país). e essa canção específica é, para mim, o grande destaque de seu primeiro álbum (há uma versão dela mais neutral milk hotelesca no ep vile affections, lançado pouco antes). stephens aposentou a harmônica e impostou um pouco a voz aqui, mas essa música de fato me é especial por tê-la ouvido no repeat na madrugada do dia 6 de dezembro último, em que fechei o roteiro (e o relatório técnico) para entregá-lo poucas horas – cinco cópias e 1.110 páginas – depois. aguerrida translucidez espiritual com os dois pés no chão à parte, esta canção tirou a sorte grande: é impossível dissociá-la da coisa mais importante que fiz na vida. do último suspiro dela, enfim.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

if i could write – sam phillips



do álbum a boot and a shoe, de 2004. esta música foi usada no magnífico episódio de abertura da quinta temporada de gilmore girls.


"quando eu for dessa vez acho que não vou voltar", confidencia sam phillips, e o trunfo desta canção delicada e inclemente é a opção pelo não confrontamento direto: apesar de não saber ao certo se conseguirá passar para o papel, são as palavras que ela propõe libertar para que possam seguir o outro e confidenciar a ele os segredos e a solidão dela. pois phillips compôs uma letra das mais enlevadas para deixar claro que "quer mais" e que "nada é pequeno, nada é inesperado" – e é bonito saber que alguém está à procura de pequenas epifanias. mais importante ainda é estabelecer que ela, quando o olha nos olhos, procura por ele, e não a si mesma. uma música mais do que especial: há de se pesar o medo que se tem de perder alguém e o receio de manter essa mesma pessoa consigo quando ela já tiver partido. quem pode culpá-la por querer ser a primeira a abandonar o barco? (e rory gilmore abandona o barco e viaja para a europa com a avó.)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

qui nem jiló – luiz gonzaga



do 78 rotações vira e mexe/qui nem jiló, de 1950.


uma canção impossivelmente pura, e isso me deixa sem saber o que fazer com ela. a cisão de saudade boa (a que não arde como jiló) e má (a que arde como jiló) faz sentido, mas não compreendo exatamente como a saudade de perder um grande amor possa ser boa. gonzaga justifica com "pro cabra se convencer/ que é feliz sem saber/ pois não sofreu", mas esses versos, assim isolados, fazem pouco sentido. tudo bem que logo no início é dito "se a gente lembra só por lembrar", então estamos diante de uma contemplação abrandada de uma relação extinta, cujo ponto final pode ter sido dado num momento em que as coisas não estavam de todo ruins, mas apenas não funcionando. a mensagem me parece ser: nostalgia é bom, mas só quando as coisas não tiveram tempo de ficar feias.

mas aqui está o pulo do gato: o eu-lírico tem essa atitude desprendida em relação ao amor que perdeu porque ele tem um novo amor! é por isso que nada faz muito sentido na primeira estrofe: ele não fica triste ao rememorar um amor antigo porque é mais feliz agora. e então sobrevém o segundo pulo do gato: ele não está nos braços de seu novo xodó ("eu tiro isso por mim/ que vivo doido a sofrer"). ao final, uma constatação lúcida à "to live is to fly", do townes van zandt, "mas ninguém pode dizer/ que vivo triste a chorar/ saudade, meu remédio é cantar". lucinda williams precisa escutar essa música.

domingo, 9 de janeiro de 2011

build me up buttercup – the foundations



do single homônimo, de 1968.


ah, motown. não se engane com a batida upbeat, o título alternativo desta canção (e de uma penca de outras da gravadora) é "the track of my tears" – que de fato é uma composição do smokey robinson & the miracles. talvez continuemos a nos envolver com esses enredos supertrágicos porque a receita do Merecimento é bem fácil de seguir: "i need you more than anyone darlin'/ you know that i have from the start." pedir a ela que encontre um tempinho para ele a fazer feliz casa especialmente bem com o espírito tantalizador da música, porque a isso é dado o mesmo status do "you never call baby/ when you say you will". um tempinho para se permitir a felicidade ao lado dele e um tempinho para ligar para ele. não parece fazer diferença para o eu-lírico, provavelmente porque ele está de mãos abanando. o backing vocal, que valida e reforça seus pedidos apaixonados, não deixa de fazer as vezes de um coro grego.

sábado, 8 de janeiro de 2011

paisagem da janela – lô borges



do álbum clube da esquina, de 1972.


a buliçosa melodia desta obra-prima é visionária o suficiente para dar cor e carne à sucessão de imagens que passam pelos olhos do eu-lírico – que parecem puxadas do fio da memória. uma canção impulsiva, que acredita de modo ferrenho em sua criatividade, uma fé inabalável no narrado e na percepção, mesmo que esta não se manifeste cognitiva de fato. sua inquietude, "sem querer descanso nem dominical", é resignada, e não oferece qualquer tipo de desassossego para o nosso sonhador ("mas isso é tão normal"). ao contrário, percebe-se uma placidez desmedida neste conto singular de homens sórdidos, de suas vidas e de seus velórios.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

shadow on a harvest moon – everything but the girl



do álbum idlewild, de 1988.


meio canhestra e melindrosa ("uma viúva numa lua de mel", sacumé), mas saindo do terreno do atabalhoamento e da afetação, descortina-se a mais cândida sinceridade. trata-se de uma canção alto-astral vinda das profundezas dantescas de um coração partido, mas é preciso examiná-la a fundo para desvendar seu tema, que fica encoberto como a lua da colheita pela sombra do título. ela começa confessional e, sem mais nem menos, a vocalista quebra a quarta parede e estende para você as resoluções que fez para ela:

eu escrevo estas palavras para torná-las verdade:
"eu me livrei de minha paixonite platônica e
você também deve fazê-lo"

o golpe de gênio é: apesar de ficar quase claro que ela se refere ao ouvinte, é possível que ela cante suas dores na segunda pessoa – da mesma forma que alguém que se identifica com uma música a cantarola, fazendo dela um hino pessoal e das palavras do compositor as suas. essa sugestão final talvez não seja uma para nós, mas uma para ela mesma – e apenas para ela. um dos enigmas mais especiais.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

everything has changed – lucinda williams



do álbum west, de 2007. esta é uma estonteante versão ao vivo do programa do jay leno.


imagino que a grande maioria de vocês, duas ou três dezenas de incautos, também frequenta meu last.fm. pois bem, vale bem a pena reparar se eu ouvi "everything has changed" mais que quatro ou cinco vezes seguidas (e foram mais de 50 execuções nesta madrugada). se sim, batata: tô triste, entre verde no msn e me dê atenção. direi "né nada não", todavia: mentira. mais que uma pedrada na alma, essa música atira uns pedregulhos asteróidicos no telhado de vidro do ouvinte. é uma canção sobre não mais se eletrizar com o mistério das coisas, não mais sentir sua própria capacidade para o bem, não querer falar com pessoa alguma ("todas as palavras que funcionavam o sol derreteu"). o refrão, irreversivelmente amparado por um estado demencial ("rostos parecem familiares, mas eles não têm nomes"...), tem a força da metáfora transformada em injúria intermitente: você está sozinho às 3h45 da madrugada do dia 6 de janeiro de 2011 e não há proteção contra esse tipo de Verdade. para quem acha que perdeu a sensibilidade diante do "mistério e do esplendor" nada melhor que escutar uma música extremamente lúcida – e extremamente lucinda – sobre frigidez emocional.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

mary – patty griffin



do álbum flaming red, de 1998.


enquanto os anjos cantam seus feitos [de jesus] num lampejo de glória
maria fica para trás e começa a limpar o lugar.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

streets of philadelphia – bruce springsteen



da trilha sonora do filme philadelphia, de 1994.


uma canção sobre ser desertado pelas pessoas, mas não por uma cidade. son volt, em "tear-stained eye", fala em "walking down main street/getting to know the concrete/ looking for a purpose from a neon sign", e exceto pela visão turva pela lágrima trata-se de uma canção algo celebratória. esta não. há pessoas que a transformam em hinos para enfrentar supermercados, mas ela também é a canção-tema de um dos primeiros filmes a retratar a aids de modo a não deixar susan sontag mortificada. uma composição que sabe se resguardar, servindo tanto para pacificar alguém fazendo as compras do mês quanto para abrigar um moribundo. springsteen faz referência a alguém que não o eu-lírico por meio dos vocativos "friend" e "brother". a primeira menção é desesperada porém deprendida ("oh brother are you gonna leave me/ wasting away on the streets of philadelphia?"), a segunda é desencantada, mas já se ensaia uma aproximação resignada ("ain't no angel gonna greet me/ it's just you and i my friend), e a terceira é quase um chamado à ação ("so receive me brother with your faithless kiss/ or will we leave each other alone like this/ on the streets of philadelphia?"). mas as melhores imagens são as que fundem eu-lírico e cidade: andar pelas ruas até que as pernas pareçam empedradas e finalmente perder suas roupas, livrando-se da pele enquanto se anda mil milhas, sentindo-se desaparecer. encontro conforto aqui.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

friday i'm in love – the cure



do álbum wish, de 1992. veja o ótimo clipe aqui.


aquela dolorosa lucidez dos hinos de geração. a circunspecta volubilidade – "quinta eu não ligo para você/ é sexta e eu tô apaixonado" (por quem?) – alcança até o tempo: o negrume e a tristeza das segundas, o cinza das terças e quartas. dois versos para os laricados da pizzaria guanabara: "it's such a gorgeous sight/ to see you eat in the middle of the night." um poderoso organograma com a destreza de virar folhas do calendário a cada verso. uma canção volátil capaz de voar, "sleek as a sheik/ spinning round and round".

domingo, 2 de janeiro de 2011

this house is empty now – elvis costello & burt bacharach



do álbum painted from memory, de 1998. esta versão foi gravada no programa sessions at west 54th. o bootleg desse show é mais que fantástico.


mais uma escolha óbvia: minha família acaba de ir embora de casa, e a deixa desprovida de risos, celebração etc. – para citarmos algumas palavras soltas deste incrível slice-of-life escrito pelo burt bacharach. depois descobre-se que um homem fala de uma mulher que partiu e que o deixou sozinho, "jogando a chave fora". gosto muito dos versos "there's no one living here/ you have to care about": sentimento poderoso de obliteração – o eu-lírico derretendo e extinguindo-se como uma vela ("quando a noite parece interminável, uma vela apagada se importa com a escuridão?") e, ainda assim, desferindo um golpe contra o suposto desapego e indiferença da mulher. a peçonha que provém do coração – mas tem-se a sensação de que ele capitularia diante de todo o veneno despejado se ela lhe trouxesse a chave (para que ela entrasse? para que ele pudesse sair?).

sábado, 1 de janeiro de 2011

this will be our year – the zombies



do álbum odessey & oracle, de 1968.


a única música possível para o primeiro dia do ano. especialmente bonito é pedir que se conservem as mãos dadas agora que a tempestade passou e que a bonança chegou. canção generosa tal que esse pedido, em vez de parecer oportunista, reveste-se da bem-aventurança da mais justa recompensa. ademais, os trompetes beatíficos.